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ÉTICA E SEXUALIDADE

Pe. Gilberto Kasper* 

Parte I

         A sexualidade é um dos elementos mais atingindos pela revolução cultural dos últimos tempos. De uma situação tabuística onde a sexualidade era reprimida de um modo irracional, passou-se a uma outra de extremo erotismo igualmente obsessiva e irracional.

         Entendemos que a sexualidade não é uma realidade que interessa somente ao corpo, mas interessa ao homem como um todo, na profundidade do seu ser.

         Homem e Mulher são sexuados, não somente na estrutura diferente de seus corpos, mas são totalmente sexuados no seu modo de pensar, de decidir, de caminhar, de agir, de trabalhar. Entendemos por sexualidade difusa, em primeiro lugar, o fato de que a sexualidade impregna todo o organismo, todo o ser humano. Não há nenhuma manifestação humana que não seja matizada pela sexualidade. Essa difusão amplia o âmbito da sexualidade genital. A sexualidade genital, localizada, se orienta para a formação do “nós” conjugal e à procriação dos filhos. A sexualidade difusa se orienta para um mundo mais amplo, formando o “nós” social.

         A sexualidade diz respeito ao ser humano na sua profundidade, no seu núcleo pessoal, lá onde se estabelece o “eu” mais íntimo. A pessoa é um ser que pode dizer “eu” e é capaz de autoconsciência, de autodeterminação, em vistas a própria realização. Esse “eu” que na sua autoconsciência percebe os seus limites e necessidades de complementação, na autodeterminação se decide por um “tu” já que é, essencialmente, um ser racional. A sexualidade é talvez o modo mais expressivo que o homem tem de colocar-se em comunicação com o outro. Não é algo apenas agregado ao homem, mas é inerente a sua essência.

         Do ponto de vista psíquico-somático, a sexualidade é o caráter distintivo do homem e da mulher. Considerada no seu aspecto personalístico é a capacidade-tendência-necessidade do “eu” entrar em relação íntima com o “tu” particular, através do dom de si e do acolhimento do dom do outro.  

Parte II

            A sexualidade genital é a capacidade-tendência que tem o homem e a mulher de usar as energias físicas em ordem à transmissão da vida e à manifestação recíproca do amor. A pessoa humana não é só corpo ou só espírito. A atividade espiritual tende a emergir no nível corpóreo, através de um gesto, de uma atitude, de um sorriso, de um olhar . . . O corpo é, por assim dizer, a alma que se torna visível. A união corpóreo-genital contém o máximo de expressividade. Se trata de fato de um dom total do próprio corpo a uma outra pessoa. Isso pressupõe uma união interior mais profunda. Assim no casamento o ato conjugal não é algo instintivo, mas é a manifestação de um conteúdo interior de amor e unidade. A sexualidade genital deve ser inserida no contexto de toda a personalidade.

            A sexualidade afetiva se constitui numa capacidade reativa ou de interesse que se refere a toda a realidade que circunda o homem, o mundo, as coisas, a sociedade, Deus . . . O mundo do homem é particularmente reativo no confronto da mulher e vice-versa. Essa atração recíproca se deve a complementaridade que cada um busca no outro. A sexualidade afetiva é, pois, uma tendência global do homem verso a mulher e da mulher verso ao homem. Cada um busca no outro aquilo que o completa.

            Já a sexualidade pessoal nos mostra que a sexualidade é um fato da pessoa, isto é, não é simplesmente um jogo de forças instintivas ou afetivas, mas é radicada num “eu” que pode conhecer-se no outro. O dom de si efetuado no nível genital e afetivo é precedido de um ato consciente, livre e amoroso da pessoa que decide doar-se e entrar em comunhão. Exige maturidade para um diálogo permanente. O amor amadurecido é que pode exprimir-se pela relação sexual entre um homem e uma mulher que decidem construir uma família. A vida matrimonial  deve ser um crescer para doar-se e um doar-se para crescer.

Parte III

            Podemos classificar o amor em três espécies: Eros, Filia e Ágape. O "eros" é o amor sensual possessivo. Visa a obtenção do prazer com outra pessoa. É representado pelo Cupido, uma criança que jamais cresceu, revelando imaturidade. "Filia" é o amor de amizade. É a amizade do amigo para quem a outra pessoa é insubstituível para haver verdadeira comunhão. "Ágape" é o amor oblativo, desinteressado, que não exige nada em troca. O Novo Testamento não usa nunca o termo “eros”. Usa 45 vezes o termo “filia” e 320 vezes o termo “ágape”, para dizer do amor maduro que leva à comunhão com o outro, até o sacrifício de si próprio.

            A maturidade sexual depende muito da maturidade afetiva, isto é, daquela capacidade do homem em dialogar com a realidade externa, com as coisas, com a sociedade, com Deus. A maturidade sexual é um aspecto da maturidade afetiva e consiste na obtenção de uma válida capacidade de diálogo com um “tu” particular. Não é possível, por isso mesmo, separar a maturação sexual da maturação global do indivíduo. Freud relaciona várias fases pelas quais o homem deve passar para chegar a maturidade afetivo-sexual. Para ele o sexual coincide necessariamente com o genital. Tem um sentido muito mais amplo. As funções da vida sexual não coincide com a função generativa. A necessidade sexual (libido) abrange a vida inteira em várias fases: oral, auto erótica (primeiro ano de vida), ato de amamentar; anal, função eletiva do prazer ligada a função intestinal (segundo ano); fálica, voltada para os órgãos genitais numa experiência narcisista (terceiro ao quinto); genital, é oblativa e recíproca. É alto-erótica. É a fase da maturidade; lactância, período de neutralidade entre as fases fálica e genital. Percorrendo as várias etapas é que a pessoa chega à maturidade de pessoa sexuada; é, assumindo a sua sexualidade física e integrando-a no plano psíquico da afetividade que, por sua vez, se insere na relação dialógica do amor pessoal. A sexualidade amadurecida é sempre personalizante.